A Escritura

-Vem cá pescadinha, senta aqui ao pé do avô.

Diz-me lá uma coisa…tu eras capaz de ensinar o avô a escrever o nome?

-Qual nome?

-O meu nome!

-Mas…o Avô não sabe escrever o seu nome?

-Não…quando era pequeno tinha que trabalhar e nunca ninguém me mandou à escola, para aprender as letras. Mas agora estou a precisar de saber escrever o meu nome.
Para o mês que vem tenho a escritura de um prédio que comprei e não quero fazer figuras tristes.
Então…que me dizes?

-Está bem avô…Vou buscar um caderno, um lápis e uma caneta, que é para o Avô copiar por cima.

-Não digas a ninguém, isto é um segredo nosso. Está bem?

E todos os dias quando vinha da escola, a minha mão pequenina, pegava na mão calejada do meu Avô, ajudando-o a sublinhar com uma caneta as letras do seu nome; JOSÉ LOURENÇO.

Quando faltava uma semana para a escritura, ele já escrevia o nome sem a minha ajuda, isto é…o José escrevia muito bem mas o Lourenço é que estava mais difícil. Eu queria que ele aprendesse a escrever as letras uma a uma, mas ele disse-me que não tinha tempo porque a escritura do prédio era daí a dois dias.

Estavam todos presentes e o notário leu a escritura de compra e venda do imóvel. Todos concordaram como que estava escrito e foi pedido aos presentes que assinassem a escritura:

Primeiro os vendedores:

Depois o comprador…neste caso o meu Avô. E o JOSÉ saiu perfeito, agora o Lourenço é que foram elas:

Diz o notário ao olhar para a assinatura:

-Como é que o senhor se chama?

-JOSÉ LOURENÇO, disse o meu Avô sem se desmanchar:

-O senhor desculpe, mas aqui está JOSÉ LOU LOU.

Dessa vez a coisa não resultou e ele lá teve que voltar a assinar com o dedo. Mas foi a ultima vez que isso aconteceu, porque aprendeu rapidamente a escrever todas as letras que compunham o seu nome.

Corrida à Antiga Portuguesa

A praça estava cheia. As senhoras apresentavam-se bem vestidas cheirosas e de mantilhas na cabeça.

Estávamos no ano de 1957.

A orquestra iniciou: – TÁ TÁ RÁ RIIIII…

A corrida à antiga portuguesa ia começar e o meu avô que era aficionado da festa brava ia explicando:

-Este cavaleiro é o “NETO”! …representa a autoridade na arena. Seguem-no os pajens.

O “NETO” abriu as cortesias (que são a apresentação dos intervenientes na corrida).

Entram na arena, seis charameleiros, que tocam uma espécie de cornetin e um timbaleiro que toca tambor e tímbalos. Apresentam-se vestidos a rigor e são eles que abrem o espectáculo, dando-lhe pompa e circunstância.

O “NETO,” ordenou a entrada dos porta estandartes, que no século XVII representavam as casas reais. Seguiram-se-lhes os pajens dos cavaleiros.

Entram agora os coches, puxados por parelhas de cavalos, ricamente engalanados, que transportam os cavaleiros, com suas belas vestes e se dirigem à tribuna para saudar (no tempo antigo) o Rei. A pé ladeando os coches, seguem os alabardeiros, fazendo a guarda dos cavaleiros.

A orquestra faz-se ouvir….acabam de entrar os palafreneiros, que conduzem à mão os cavalos de combate.

E o Avô disse:

-Agora acabaram as cortesias:

Depois de todos saírem, entram os forcados com a azémola das farpas, que por não ser um animal nobre  é obrigada a sair a correr da arena..

Agora o “NETO” entrega a chave dos curros e dá a volta à arena, saudando todos os presentes.

Até aqui foi tudo muito bonito e colorido.

Quando o toiro irrompeu na arena, vinha chateado e enraivecido. Reparei que fios de sangue lhe escorriam pelo lombo, devido a um ferro que trazia espetado. Um bandarilheiro, muito aperaltado num justíssimo fato cor de rosa, salpicado de lantejoulas , chamava o toiro em altos berros:

-Heiiii ……toiro….. Heeeiiii!!

O Toiro solta um rugido e investe e o toureiro apontando-lhe os ferros cravou-lhe no cachaço duas bandarilhas. Na praça o povo aplaude e grita;

– Óóóólééé.

O Cavaleiro, montando um cavalo lusitano, entrou em praça, garboso na sua casaca azul dourada. Os ajudantes entregam-lhe dois ferros longos, prontos para serem cravados no animal.

-Heeii Toiro … Heeeiiii… incitava o Cavaleiro!!!

De repente o Toiro investiu e o Cavaleiro espetou-lhe as farpas. A orquestra iniciou um Pasodoble, que o povo acompanhava com palmas e óóólééés..enquanto o sangue escorria pelo cachaço do Toiro.

O Cavaleiro voltou a incitar o Toiro, que espavorido voltou a investir, sendo castigado com mais duas farpas no lombo. A orquestra voltou a tocar e as gentes em euforia gritavam e batiam palmas a compasso. Mais dois ferros foram espetados no seu dorso, e as pessoas em delírio gritavam…

-Óóóólééé…

-Avô…Avô, eles assim matam o toiro!!!

E as lágrimas corriam-me pela cara abaixo.

-Porquê… porquê isto?

Ferido e desorientado o Toiro também parecia perguntar:

-Porquê?

Era a vez do grupo de forcados incitarem o pobre bicho que já cansado e ensanguentado os olhava admirado

-Ouuuiiiii…..Ouiiii…..Ouuuiiiiiii, gritava o maluco que vinha à frente…o toiro raspava o chão com as patas e grunhia de raiva e dor….e de repente fazendo Zig Zag… atacou!!!

Os três primeiros voaram pelo ar e estatelaram-se no chão onde foram pisados quanto baste, mas um manteve-se estranhamente agarrado ao rabo do bicho, sendo arrastado, enquanto os feridos eram retirados em maca.

Eu sequei as lágrimas e bati palmas de satisfação.

Fui obrigada a ver muitas mais corridas enquanto pequena e posso dizer que sempre torci pelos toiros. Mas as largadas de toiros essas eram as minhas preferidas…ora vejam.

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