O homem que matou o “Vendaval”

As rajadas de vento uivavam por entre os mastros dos barcos. Os relâmpagos e a chuva fustigavam tudo à sua volta, que o tempo era de vendaval.

À cinco dias que os barcos não saíam para a pesca. As lotas não tinham peixe e os homens desesperavam.

Apenas quatro homens compareceram ao chamado do meu avô.
 
– Qué do Chalica?
– Não veio, diz que não vai para o mar com este tempo, tem filhos para criar.
– Vai buscar o Américo, vamos sair mesmo assim. De madrugada isto levanta.

A viagem foi terrivel, tocada a chuva e vento, e onde a fúria das vagas a cada investida, pareciam quebrar a quilha da pequena embarcação.

Chegados a Sesimbra, não havia condições para a pesca, por isso fundearam na praia.

Ás três da manhã a tempestade amainou.
 
– Acordem!!! cambada de calões; – Toca a trabalhar. Vamos pescar para o largo.

Estavam lá na hora certa, na hora em que um descontraído cardume de carapaus,  resolveu explorar as redes do “Marcelina da Costa”.

Foram os únicos na lota,  e o peixe valeu cinco vezes mais.

Viva o Mestre Zé, o homem que matou o vendaval.

Ala… Arriba!

A “ISABEL LOURENÇO”, era uma traineira da pesca da sardinha, cavala e carapau. Tinha pouco mais de doze metros.

As traineiras pescam em cerco, isto é; cercam o peixe que depois de entrar na rede já não pode sair.

As zonas onde pescavam eram: – Setúbal, Ericeira, Peniche, Cabo Espichel, etc.

O “PAI E FILHOS”, era o barco de apoio, chamado de “enviada”. Mais pequeno, também pescava, mas a função principal era recolher o peixe que já não cabia na traineira.

Agora existem guinchos, radares e aladores que apoiam os pescadores. Naquele tempo, não havia desses apoios, e era ao som do cantador, que à força de braços os homens da enviada e da traineira içavam para o convés as redes carregadas de peixe.

– Ala… Ala… Ala… Arribaaaa!!!
– Ala… Ala… Ala… Arribaaaa!!!

Mãos calejadas que mais parecem cabedal, lábios gretados, pele queimada pelo sol, recolhem o peixe para os porões e rumam a todo o gás para a lota; com a paixão pelo mar gravada a fogo na alma.

Heróis em casca de noz.

O “ISABEL LOURENÇO” e o “PAI E FILHOS”, foram dois dos barcos de pesca do meu avô. Era com eles que todos os dias, fizesse chuva ou sol, partia para o mar.

Ao meu avô chamavam-lhe “MESTRE ZÉ” e governava o “ISABEL LOURENÇO”. Os camaradas de faina eram; – o Ti-Zé, o Cága-Libras, o Américo e o Tá-Bem.

No “PAI E FILHOS”, o mestre era o ti Álvaro, e os camaradas eram; – o Mato Rico, o Cebola, o Jádisse e o meu pai que era o Zé-Ganso.

Estes homens do mar eram heróis em casca de noz. Os barcos eram relativamente pequenos, nove, dez metros e o mar nem sempre estava de bom humor.

O guarda – nocturno

Decerto nessa noite o avô foi preocupado para a faina da pesca. Em Casa deixou o tio Victor encarregue de manter os olhos bem abertos. Na rua a vigiar ficou um homem de sua confiança para ajudar no que fosse preciso.

Fora alertado pelo guarda – nocturno, que pela calada da noite alguém andava a rondar a nossa casa tendo sido visto a empurrar a janela que distava do chão pouco mais de um metro.

A janela era a do quarto verde e naquele quarto não dormia ninguém.