Tótó o cão marinheiro

Tótó era um cão,  arraçado de cão de água. O seu pêlo era amarelo e comprido, mas tosquiavam-no à leão deixando uma melena de pêlo na ponta da cauda.

Tótó era corajoso,  inteligente, meigo e muito amigo.

Na traineira “Isabel Lourenço“, era mais um camarada. Ganhava como qualquer companheiro,  meia parte do peixe, que depois era vendido, e trocado por carne e ossos para a sua alimentação.

Mas não pensem que não merecia o que ganhava; Totó estava sempre atento e na altura da recolha das redes, se algum peixe se escapava, se algum cabo caía ao mar, ele mergulhava para o recuperar.

Dizia o Avô que quando pescavam atum no Algarve,  ele às vezes  ficava agitado e gania, e quando eles olhavam com atenção para o horizonte detectavam ao longe uma barbatana de tubarão.

O Totó tinha sete anos quando o Avô vendeu a “Isabel Lourenço“, por isso veio para casa viver connosco, mas isso é outro fragmento…

 

 

O Pagador de Promessas

Sentados nos bancos de jardim, em frente à igreja de Alvôr, ouvia atentamente o meu avô:

– Sabes quando isto que te vou contar aconteceu, tu ainda não tinhas nascido.

A Europa encontrava-se em guerra.  Portugal era um país neutro, mas a vida era muito difícil, havia racionamento de bens, como o açucar , o café, a manteiga, os cereais, havia falta de quase tudo. Nessa altura o avô trabalhava mais do que o costume para que lá em casa nada faltasse

Então com um tempo de vendaval, o avô resolveu sair para a pesca, esperando que mais uma vez tivesse sorte e apanhasse o peixe que mais ninguém se atrevera a arriscar.

Mas nesse dia a coisa correu mal.

Quando saímos a barra o mar começou a ficar medonho. As vagas eram tão altas, que quase partiam pelo meio a ” Isabel Lourenço“.

O vento e as vagas varriam o convés de uma ponta à outra.

Era já madrugada e aquilo não havia meio de parar.

Eu mantinha-me na casa do leme quando um camarada me chamou:

Venha aqui mestre Zé!

Quando cheguei à casa da máquina os camaradas choravam:

– Mestre Zé, vamos morrer todos… o barco não aguenta isto por muito mais tempo!!!

– Venha… junte-se a nós, vamos rezar ao Senhor Jesus de Alvôr.

– Eu não me acredito nessas tretas!

– Nós acreditamos por si!

– Por favor mestre Zé… acompanhe-nos nesta promessa.

E minha filha, eu vi… cinco homens valentes… chorando como crianças… implorando pela sua fé aos céus que lhes valesse , que acalmasse as águas revoltas e salvasse as suas vidas.

Prometeram que encheriam o altar do Senhor Jesus de velas, de cada vez que visitassem Alvôr.

E depois Avô o que aconteceu?

Depois o dia clareou, o vento amainou e o ” Isabel Lourenço ” voltou são e salvo ao ponto de partida.

Por isso aqui estou eu e tu a honra-los na sua promessa.

 

Pescadinha & Avô na Praia de Alvôr

 Eu e o Avô na Praia da Rocha (Portimão) em 1955

 

Ala… Arriba!

A “ISABEL LOURENÇO”, era uma traineira da pesca da sardinha, cavala e carapau. Tinha pouco mais de doze metros.

As traineiras pescam em cerco, isto é; cercam o peixe que depois de entrar na rede já não pode sair.

As zonas onde pescavam eram: – Setúbal, Ericeira, Peniche, Cabo Espichel, etc.

O “PAI E FILHOS”, era o barco de apoio, chamado de “enviada”. Mais pequeno, também pescava, mas a função principal era recolher o peixe que já não cabia na traineira.

Agora existem guinchos, radares e aladores que apoiam os pescadores. Naquele tempo, não havia desses apoios, e era ao som do cantador, que à força de braços os homens da enviada e da traineira içavam para o convés as redes carregadas de peixe.

– Ala… Ala… Ala… Arribaaaa!!!
– Ala… Ala… Ala… Arribaaaa!!!

Mãos calejadas que mais parecem cabedal, lábios gretados, pele queimada pelo sol, recolhem o peixe para os porões e rumam a todo o gás para a lota; com a paixão pelo mar gravada a fogo na alma.

Heróis em casca de noz.

O “ISABEL LOURENÇO” e o “PAI E FILHOS”, foram dois dos barcos de pesca do meu avô. Era com eles que todos os dias, fizesse chuva ou sol, partia para o mar.

Ao meu avô chamavam-lhe “MESTRE ZÉ” e governava o “ISABEL LOURENÇO”. Os camaradas de faina eram; – o Ti-Zé, o Cága-Libras, o Américo e o Tá-Bem.

No “PAI E FILHOS”, o mestre era o ti Álvaro, e os camaradas eram; – o Mato Rico, o Cebola, o Jádisse e o meu pai que era o Zé-Ganso.

Estes homens do mar eram heróis em casca de noz. Os barcos eram relativamente pequenos, nove, dez metros e o mar nem sempre estava de bom humor.