A Procissão

Chegou o dia. Era dia da procissão do Senhor dos Passos. Os sinos tocavam, cheirava a incenso e pétalas de flores. As janelas enfeitadas com lindas colchas emolduravam as ruas por onde a procissão ia passar.

Eu e o meu Pai íamos participar pela primeira vez numa procissão. Ele, de Opa vermelha com a cruz de Cristo ia pegar no andor do Senhor dos Passos. Eu ia a acompanhar a procissão como anjinho com um vestido de tafetá branco, peitilho com folhos, rematado por uma faixa de cetim azul. Nos ombros umas asas de penas brancas presas ao vestido por elásticos davam-me um ar celestial. Ao meu lado, um menino vestido de São Roque protestava:

-Oh mãeeee, eu não quero ir vestido de “serrote”

O andor, com Jesus Cristo vergado sobre o peso da enorme cruz, devia ser pesadíssimo, pois era carregado por 8 homens fortes (incluindo o meu Pai)

A Minha Mãe, obreira daquela nossa forçada manifestação religiosa estava muito satisfeita. Pudera, não era ela que carregava o andor.

Às tantas, o Padre nunca mais se calava e o São Roque já cansado deixou cair o cajado. O meu Pai muito vermelho já bufava por todo o lado e a mim, começaram-me a escorregar as asas. Foi quando me pus a gritar:

-Oh mãe… quero fazer chichi!!!

À noite é que foram elas. O ombro do meu Pai estava roxo e em carne viva. Ao ver-se ao espelho ele gritou-lhe:

-Granda puta… já viste o que fizeste? tu e o padre precisavam era de um enxerto de porrada.

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Foge Maria !!! Foge !!!

Estávamos na sala de entrada. Ali ouvíamos telefonia, conversávamos e faziam-se pequenas refeições.

De repente o meu avô pediu à minha avó que lhe fosse buscar os cigarros ao bolso do casaco;
 
– Onde deixaste o casaco?
– Está no nosso quarto no cabide.

Ela hesitou.
 
– Vai lá Maria… vai.

O corredor da sala ao quarto media oito metros e ela conforme avançava ia acendendo as luzes.
Quando acendeu a luz do quarto, o relógio começou a bater as badaladas da meia noite.
 
– Foge Maria!!! Foge!!!
– Olha o padre!!! ele vem atrás de ti!!!

E ela fugiu… Espavorida, tinha um medo terrível daquele quarto.

A Casa

A casa tinha custado oitenta mil réis por volta dos anos quarenta. Tinha quinze assoalhadas, um sótão que acompanhava a casa toda e uma cave.

Na cave, duas fileiras de arcadas com um pé alto enorme, sustinham toda a moradia.

A fachada estava pintada de azul, e as janelas debruadas, estavam pintadas de branco.  No lado esquerdo um pequeno portão dava acesso a um corredor forrado a pedras de calçada. Era nesse corredor, resguardada de olhares, que existia a imponente porta principal. Tinha também um jardim que dava para a segunda entrada da moradia.

O preço foi muito barato. Ninguém a queria e as pessoas mais antigas, quando passavam por ela benziam-se.

A casa pertencera ao padre da aldeia, que constava, se teria enforcado num dos quartos principais. Era o quarto branco que o avô escolheu como quarto do casal.