Fábulas e Lendas

Gostava muito das fábulas e das lendas que a minha Avó me contava, sempre que eu a questionava em busca de respostas.

Nessa manhã os pescadores trouxeram um grande “PEIXE-GALO”, alguns linguados e uns quantos salmonetes.

Eu nunca tinha visto um peixe-galo, tampouco um salmonete ou um linguado e estranhei o contraste entre eles.

Os salmonetes eram belos, de cor rosa, com tons de ouro e escamas que pareciam lantejoulas.

Os linguados pareciam ter sido atropelados, tinham os olhos do mesmo lado, o corpo achatado, e a boca ao lado… que peixe tão feio!!!

O “PEIXE-GALO”, chamou a minha atenção por ter uma dedada marcada de cada lado do corpo.

Depois de me mostrar os peixes, a avó pegou no peixe galo e começou a contar:
– Esta história aconteceu quando Jesus andava a pregar o Evangelho com os seus companheiros e Pedro lhe disse que estavam sem comida e sem dinheiro.

E Jesus disse:
– Pedro, se assim é vamos pescar.

Quando se fizeram ao mar e Pedro se preparava para lançar as redes, apareceu junto ao barco um grande peixe-galo com algo brilhante na boca. Jesus baixou-se para apanhar o peixe e tirou-lhe da boca uma bela moeda de ouro que deu a Pedro.
Conta a lenda que estas marcas no corpo do peixe, são as impressões digitais de Jesus, que ficaram para sempre marcadas neste saboroso peixe.

Avó e o linguado, porque é que ele é tão feio e o salmonete é tão bonito?

E a avó contou:
– Conta a lenda, que o linguado ficava muito incomodado, sempre que um belo salmonete se passeava perto do sitio onde ele se encontrava. Um dia o salmonete chegou mais tarde e educadamente perguntou-lhe:
– Oh linguado… a maré esta cheia ou vazia?

Malcriado, o linguado arremedou o salmonete e pondo a boca ao lado disse:
– Oh linguadoamarétácheiaouvazia!!!

E por castigo divino ficou assim para sempre.

 

O grande desgosto

O ” quarto azul ” voltou a ter protagonismo, é que a tia ” Licas ” ia casar.
Conjuntos de cozinha, serviços de jantar, conjuntos de talheres, vassouras, lençóis, mantas, toalhas… o quarto parecia um armazém. Eu lá ia com elas, a Avó e a tia Licas, às compras a Lisboa. Íamos ao Bráz & Brás, aos Grandes Armazéns do Chiado, ao Ramiro & Leão, que tinha um elevador muito vistoso.

Depois das compras íamos lanchar à Confeitaria Nacional, e eu tinha direito a escolher um ou dois brinquedos na Quermesse de Paris.

À tardinha, o ” Preto,” era como eu chamava ao noivo da tia, ia buscar-nos no seu ” Morris ” às arcadas da Praça do Comércio, para nos levar para casa.

O dia do casamento estava próximo. Já tinham casa alugada, iam morar em Carnaxide, num primeiro andar com quintal, mesmo ao lado dos Bombeiros.

O quintal era muito agradável, dividido em seis talhões, três de cada lado e ao meio um poço com um arco e roldana, de onde se tirava uma água tão fresca, que embaciava o copo. Para mim o único senão era ser junto aos Bombeiros, que sempre ao meio dia e  quando havia fogo, tocavam a sirene, que quase nos rebentava os tímpanos.

O dia do casamento da minha tia Licas, foi o dia do meu primeiro grande desgosto.

Eu tinha seis anos, e ela foi a única pessoa que viu o meu sofrimento. Olhou para mim com pena, e com as suas mãos macias afastou as lágrimas que me corriam pelo rosto.

-Não chores, vais a casa da tia quando quiseres … e dormes lá… prometo!!!

Nessa noite, sozinha no meu quarto eu chorei muito, e senti pela primeira vez o peso da solidão.