Para o meu pai

Zé Ganso (Pai)

Tinha o andar gingão daqueles que passam muito tempo sobre as ondas.
Lentamente, perdeu a alcunha de Zé Russo e passou a ser o Zé Ganso.
Na vida teve dois grandes amores; o “Mar” e a sua “Rosa”.

Para ele em jeito de homenagem:

BALADA DE UM PESCADOR

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

Lá longe o farol e e as ondas sem fim,
Dizem-me baixinho que esperas por mim.
Mas oh Rosa minha quando eu chegar,
Levo-te sardinha e beijos salgados
Pelas ondas do mar

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

A minha mãe

Maria Rosa (Mãe)

 

Era uma rapariga morena, de cabelos pretos compridos e ondulados. Os seus olhos verde escuros, tinham os seus mistérios. Na boca bem desenhada sempre um sorriso, mas o que mais sobressaía era o peito, generoso e empinado.

Chamava-se Maria Rosa e era a filha mais nova do ti Zé Ramos e da senhora Adelina.

Moravam na rua das Hortas, e o ti Zé Ramos trabalhava com o filho Américo no barco do meu avô.

A ” Rosinha dos limões ” como o meu pai lhe chamava, estava sempre lá em casa.

Era a grande amiga da minha tia Susana.

O Zé Russo

Os homens do mar eram rudes. Nada de delicadezas que a vida era dura e cheia de perigos.

O pequeno José Lourenço, passou como todos os camaradas do barco a ter uma alcunha.

Com o cabelo quase branco de tão louro que era, não foi difícil, passou a ser o ” Zé Russo “.

E o Zé Russo foi crescendo, iniciando-se no trabalho árduo da vida de marinheiro, aprendendo a fumar, e beber vinho; que homem que não fumasse e não bebesse não era homem.

Aos fins de semana era sagrado, iam às putas.

Aí está ele com a rapaziada da sua idade: longa madeixa ao vento, cigarro na boca ao lado.

Zé Russo

 

O meu pai

Nasceu em 1916, na casa da rua das Hortas em Pedrouços, perto do chafariz da princesa e a dois passos do mar.

Naquele tempo não era necessário o nome da mãe, por isso chamava-se só José Lourenço.

Cresceu como um cabrito à solta, percorrendo descalço a praia e os arredores.

Odiava sapatos, por isso escondia-os, só os calçando à tardinha, quando a fome apertava e era preciso voltar para casa.

Escola também não era com ele, não fora feito para aquele subjugar, para aquela prisão.

A professora adorava gatos, só na escola haviam cinco que a senhora estimava como filhos.

Um dia desmoralizada com a indiferença dele para com os deveres, pegou na menina dos cinco olhos e deu-lhe dez réguadas.

A resposta saiu-lhe tão rápida como as lágrimas que lhe saltaram dos olhos:
– Ganda-puta!!!
– Hás-de pagá-las!!!

No dia seguinte levou para a escola um saco de sarapilheira e assim que lhe foi possível foi juntando um a um os simpáticos gatinhos.

Mais tarde na praia, rolou diversas vezes o saco com os gatinhos lá dentro.

Quando lhes abriu o saco os animais fugiram espavoridos e nunca mais apareceram.

D. Etelvina recusou-se a tê-lo na escola, por isso foi para o mar com o pai.

Tinha dez anos.

A morte

Procurou os melhores médicos em pneumologia. Fez todos os medicamentos recomendados. Entretanto ela abortou, e os médicos recomendaram um sanatório. Assim se fez.

Segundo a minha mãe ela estava a desistir. Queria ver o Jorge, mas isso já não era possível.

O Jorge morreu da doença, mas também de pena e de saudade. Com medo de lhe agravar o estado de saúde ninguém lhe disse nada.

Ela disse que não lhes perdoava essa atitude.

Morreu na casa de Algés nos braços do pai.

A carta anónima

A carta dizia assim:

Senhor José se quer ter filha por mais uns anos, trate dela.
O marido tem tuberculose e nunca lhe disse nada.

Assinado
Uma amiga.

 

Diz quem viu, que o meu avô correu desesperado até à construtora para falar com o Jorge, que lhe disse que sim, que por tanto a amar e não querer perde-la não teve coragem de lhe dizer a verdade.

Não havia tempo a perder. Foi a casa da filha, contou-lhe a verdade.

Pediu-lhe que fizesse as malas, era para o bem dela e da criança.

E o Jorge pai?
– Não gasto um tostão com esse bandido.

A partir daí ela nunca mais viu o Jorge.

Felicidade

Susana&Jorge

Eram felizes!!!

Foram viver para a Junqueira. A casa era alegre, cheia de sol, e tinha uma varanda com vasos de sardinheiras vermelhas.

Amavam-se tanto!!!

E quando ela engravidou comentou com a minha mãe:

– Rosa, sou tão feliz… tão feliz!!!

Susana & Jorge

Aos vinte anos Susana conheceu Jorge. Trabalhava numa firma de construção. Era traçador.

Ele ganhava bem para a época, e era da idade dela, por isso o meu Avô embora o achasse muito enfezado e sempre com uma tosse embirrante, não teve como dizer que não.

Namoraram cinco anos.

Decorriam tempos difíceis, época da segunda guerra mundial.

Foi quando compraram a moradia de Algés e lá se instalaram.

E foi na antiga igreja de Algés que o meu Avô levou ao altar a sua amada filha Susana.

 

Susana & Avô

Susana

Tios & Tias

 

Foi na casa da rua das Hortas em Pedrouços, que o meu Avô cimentou a sua vida.

Foi lá que comprou o primeiro barco, e foi lá que lhe nasceram os filhos… três rapazes e três raparigas.

Susana, a rapariga mais velha foi para ele uma mais valia.

Era o seu aí Jesus.

Quando chegava a casa vindo do mar, era a ela que entregava o dinheiro. Era a administradora.

Para além de obediente e boa dona de casa, Susana era uma excelente modista. Era ela quem fazia os fatos e vestidos de toda a família, e também de minha mãe que foi a sua melhor amiga.

A minha Avó já dava sinais de não estar a aguentar a pressão. A depressão começava a instalar-se.

Permanente…Que maldade!!!

Por volta dos anos 50, nas revistas da época tipo “Século Ilustrado”, as crianças eram mostradas em fotografias de estúdio, em poses ensaiadas; irrepreensivelmente vestidas e penteadas.

Crianças ranhosas e desgrenhadas “Jamai”.

Crianças pobres só eram mostradas em conjunto, por exemplo:

A Exmª.  senhora do presidente da republica, General Craveiro Lopes, deslocou-se à abertura da Colónia Balnear Infantil o Século.

Tinha pouco mais de dois anos, quando as tias me levaram à cabeleireira, para me fazer uma permanente.

Disseram que me portei muito mal, e que chorei muito.

O Avô quando viu zangou-se, e proibiu que o voltassem a fazer.

Aqui está o resultado.