Recordar é Viver

A tia Maria Vacas, era a pessoa mais doce calma e conformada que eu conheci. Tinha uma forma peculiar na conjugação dos verbos, que lhe dava uma maneira de falar engraçada. Por exemplo: – Viste… ela dizia “Vites”… Caíste… ela dizia “caítes” e por aí fora. Eu achava muita graça e gostava muito dela.

Os meus pais dividiram a casa com eles e sempre que eu visitava a minha mãe, lá estava ela agarrada ao tanque lavando para fora e passando com um pesado ferro a carvão, a roupa que garantia a subsistência de sua Família, uma vez que a vida dos homens do mar depende ainda hoje, de apanharem ou não peixe.

Atão Talininha viétes ver agente?

Vim sim tia Maria e hoje durmo cá; dizia-lhe eu toda contente.

Atão depois do jantar vamos todos jogar às cartas.

E jogavamos, ao burro em pé e à bisca. Se houvessem ovos a minha mãe fazia fatias douradas com canela e açúcar que a miudagem acompanhava com chá e o meu Pai e o Tio Américo com umas belas pingolas.

No outro dia era brincadeira certa com os meus primos e a andar num triciclo todo de ferro, muito incómodo que tinha sido do meu irmão, para grande desespero da vizinha de baixo.

Quando a Avó no outro dia me vinha buscar, era um berreiro. Não quero ir contigo Avó… quero ficar aqui… com a minha mãe; dizia-lhe eu a chorar.

Ainda hoje tenho esta mágoa no coração. Porque é que a minha mãe não dizia:

– Desculpe… não vê que ela não quer… a minha filha não quer ir, por isso vai ficar aqui na minha casa, porque eu sou sua mãe.

Mas não, ela não dizia nada, era como se entre elas houvesse um acordo tácito, e eu tinha sempre que ir com a Avó.

Tia Maria onde estiveres, obrigada por esta tua fantástica fotografia me ter trazido à memória estes fragmentos da minha vida.

Não à dúvida que “RECORDAR É VIVER”.

O Menino de minha Mãe

Leram bem, não vou escrever sobre o poema de Fernando Pessoa “O Menino de sua Mãe”.

É mesmo sobre o menino da minha mãe que eu quero escrever, para que se não perca no tempo a engraçada história desta fotografia.

Depois de casarem os meus pais ganharam este menino, que segundo a minha avó, foi muito desejado e amado.

Primeiro filho, primeiro sobrinho e primeiro neto.

A minha mãe resolveu fazer uma fotografia artística ao bebé.

Nessa época 1943, estava na moda fotografar os bebés até ao primeiro mês de idade, conforme vieram ao mundo… os meninos mostrando a pilinha e as meninas mostrando o rabinho.

Ora o menino da minha mãe, já ia fazer três meses e era forte e bem apessoado.

O fotógrafo chamou-lhe a atenção para isso, mas ela não abdicou… queria a fotografia a ver-se o sexo do seu bebé.

Dirigiram-se a uma mesa preparada para o efeito com vestes de cetim azul, e lá deitaram o menino de barriguinha para cima.

Verdade verdadinha, o bebé já mal cabia na mesa. Mas elas lá estavam uma de cada lado para o manter sossegado.

Entretanto o fotografo já com a maquineta em ordem, pediu-lhes para se afastarem para proceder à fotografia.

Só que o menino estava a pau e resolveu fazer a sua recente habilidade… voltou-se de repente e voltou a voltar-se… foram dois em um, não ficou com a pilinha à mostra e catrapum para o meio do chão.
A minha avó gritava… o bebé berrava… e a minha mãe queria bater no fotógrafo.

 

Maria Rosa

Maria Rosa fez-se uma linda mulher e o meu pai caiu de amores por ela.

Ela não lhe deu grande bola era filha irmã e neta de pescadores. Sabia bem as dificuldades que isso acarretava.

Não queria para ela essa vida, queria para ela alguém que não estivesse ligado ao mar.

Além disso havia certo rapaz que trabalhava na construtora e era amigo do Jorge…

Quando soube, o meu pai fez uma cena de ciúmes.
Depois mexeu os cordelinhos junto dos irmãos e do pai de quem era amigo e companheiro de trabalho.

Convenceram-na. Ou o Zé Ganso, que conheciam desde miúdo e até tinha um pé de meia para quando casasse, ou mais ninguém. O outro não o conheciam de lado nenhum.

Ela argumentou que o Zé bebia às vezes, e andava com mulheres da vida.

É sinal que não é maricas, foi a resposta.
Até a mãe lhe disse: – Filha quando casar ele assenta.

Para o meu pai

Zé Ganso (Pai)

Tinha o andar gingão daqueles que passam muito tempo sobre as ondas.
Lentamente, perdeu a alcunha de Zé Russo e passou a ser o Zé Ganso.
Na vida teve dois grandes amores; o “Mar” e a sua “Rosa”.

Para ele em jeito de homenagem:

BALADA DE UM PESCADOR

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

Lá longe o farol e e as ondas sem fim,
Dizem-me baixinho que esperas por mim.
Mas oh Rosa minha quando eu chegar,
Levo-te sardinha e beijos salgados
Pelas ondas do mar

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

A minha mãe

Maria Rosa (Mãe)

 

Era uma rapariga morena, de cabelos pretos compridos e ondulados. Os seus olhos verde escuros, tinham os seus mistérios. Na boca bem desenhada sempre um sorriso, mas o que mais sobressaía era o peito, generoso e empinado.

Chamava-se Maria Rosa e era a filha mais nova do ti Zé Ramos e da senhora Adelina.

Moravam na rua das Hortas, e o ti Zé Ramos trabalhava com o filho Américo no barco do meu avô.

A ” Rosinha dos limões ” como o meu pai lhe chamava, estava sempre lá em casa.

Era a grande amiga da minha tia Susana.