Cavalgando o Vento

O tio “Pico” comprou uma mota, uma Norton, preta e dourada. A mota era intimidantemente linda.

Fui pedir ao Avô para me deixar ir passear na mota nova do tio “Pico”.

O Avô não gostou muito da ideia, disse que coisas com duas rodas, não eram de fiar; e que se aquilo caísse o para-choques seriamos nós e não deixou. Mas o Avô foi para o mar, a avó foi ao cabeleireiro e o tio “Pico” disse que íamos só dar uma pequena voltinha para ver se eu gostava.

Primeiro assustei-me com o roncar do motor, depois com as curvas, em que parecia que ia cair a qualquer momento, mas já na Marginal, quando começamos a ganhar velocidade, o medo passou e senti-me “Pégaso” cavalgando o vento.

Chegados à praia do Guincho, o tio “Pico” disse que se eu quisesse podia despir a roupa e ir brincar perto da água, ou até tomar banho, pois não estava ninguém a ver e também não era preciso ninguém saber, porque ele não dizia nada à Avó.

Nesta altura eu devia estar quase a fazer os seis anos porque ainda não andava na escola, mas algo me disse que não o devia fazer.

Então ele pediu-me para lhe mostrar as maminhas, para ver se já estavam a crescer. Contrariada levantei a blusinha e ele agarrou-me e beijou-me o peito sofregamente. Assustada… empurrei-o com força e disse-lhe:

– Tá quieto, quero ir para casa, vou dizer ao Avô.

Tás doida miúda?… O que é que queres dizer ao Avô?

Olha que nunca mais vais passear comigo!!!

Não me arranjes sarilhos!!!

Vamos embora!

Apesar do “Pico” ficar esquisito, eu gostei muito de andar na mota nova.

Avó vou brincar às escondidas

Avó vou brincar às escondidas com o tio “Pico” para a cave.

– Oh filha! – ainda agora a Maria Zé te vestiu de lavado.

A cave está suja e cheira mal. Além disso vais maçar o Mário, ele está a pôr as etiquetas no vinho. Foi o avô quem lhe pediu.

Vó… eu porto-me bem. – Bom vai lá, mas faz o que o Mário disser.

O “Pico” ficou todo contente quando eu apareci. Pegou-me ao colo e deitou-me em cima de um monte alto de redes da pesca e disse para eu ficar quietinha. Levantou o meu vestido até ao pescoço, e disse que eu tinha que olhar sempre para cima, porque se eu olha-se para baixo perdia o jogo.

O tio “Pico” não sabia jogar às escondidas.

Tá quieto pá… tá quieto…

O tio Victor usava uns óculos redondos, tipo fundo de garrafa. Sem eles não via nada, mas quando ouviu o assobio estridente, sinal de que alguém tinha pulado a janela, mesmo sem óculos não se fez rogado, pegou na tranca de ferro e desferiu trancadas a torto e a direito, no vulto que se debatia por debaixo dos cortinados.
 
– Tá quieto pá… tá quieto:
– Sou eu o Mário.

Entretanto o amigo do avô também chegou… já não havia maneira do avô não saber.

Com o burburinho toda a gente acordou naquela casa, menos a avó que tomava soníferos.