O Cheiro do dinheiro.


Era da venda do pescado que o dinheiro entrava naquela casa. Vinha da lota em sacos de plástico transparente, todo amarfanhado e a cheirar a peixe. era preciso alisá-lo, separá-lo por valores e arrumá-lo no cofre.

Um dia o tio Victor, viu os sacos de dinheiro em cima da mesa da marquise, e não resistiu; tirou algumas notas que guardou nos bolsos das calças e do casaco. Depois foi-se embora.
Acabado o almoço, o avô deu por falta das notas, e perguntou se alguém ali tinha mexido.

Eram sete da tarde quando o Victor voltou.

Vinha a assobiar, quando o avô lhe deu um murro que o projectou para debaixo da mesa.

– Então tenho ladrões na minha casa?
– Onde é que está o dinheiro?
– Roubas-me e ainda entras aqui a assobiar!!!

Depois desapertou o cinto e o tio Victor pagou por todas.

Tá quieto pá… tá quieto…

O tio Victor usava uns óculos redondos, tipo fundo de garrafa. Sem eles não via nada, mas quando ouviu o assobio estridente, sinal de que alguém tinha pulado a janela, mesmo sem óculos não se fez rogado, pegou na tranca de ferro e desferiu trancadas a torto e a direito, no vulto que se debatia por debaixo dos cortinados.
 
– Tá quieto pá… tá quieto:
– Sou eu o Mário.

Entretanto o amigo do avô também chegou… já não havia maneira do avô não saber.

Com o burburinho toda a gente acordou naquela casa, menos a avó que tomava soníferos.

O guarda – nocturno

Decerto nessa noite o avô foi preocupado para a faina da pesca. Em Casa deixou o tio Victor encarregue de manter os olhos bem abertos. Na rua a vigiar ficou um homem de sua confiança para ajudar no que fosse preciso.

Fora alertado pelo guarda – nocturno, que pela calada da noite alguém andava a rondar a nossa casa tendo sido visto a empurrar a janela que distava do chão pouco mais de um metro.

A janela era a do quarto verde e naquele quarto não dormia ninguém.

Os tios

O tio Victor vivia no quarto verde, e tinha debaixo da cama uma mala de madeira fechada com um cadeado. Ouvi dizer muitas vezes que ele era nervoso e enfezado, porque foi o fim do tacho… o rapar do tacho. Além disso teve tuberculose e lá em casa os irmãos a mãe e até o pai tinham para com ele uma benevolência condescendente. O rapaz gostava de noitadas, e dormia de dia. A tosse seca e persistente não o largava.

Ouvi uma vez o avô dizer á avó que tinha que se arranjar algo para ele fazer; – mas o quê? – respondeu-lhe ela. O rapaz é fraco. Ele é mas é um grande calão, respondeu-lhe ele.

O tio Victor tinha sempre dinheiro. Quem lho dava era a avó sem o avô saber e o avô também lhe dava uma semanada que ele ganhava e perdia ao jogo.