O caixão

Todos os brinquedos estavam no meu quarto, menos a Zázá que continuava a viver no quarto azul. Sempre que eu queria brincar com ela tinha que pedir a alguém que me abrisse a porta para eu poder brincar.

Num desses dias, abriram-me a porta e deixaram-me ficar lá sozinha.

A minha atenção foi atraída para uma enorme caixa de bombons com uma pintura muito bonita na tampa. Julguei ter descoberto o porquê daquela porta estar sempre fechada, mas não.

A caixa de bombons estava cheia de fotografias e eu sentada no chão ali estive entretida a vê-las uma a uma.

Numa das fotografias estava deitada dentro de um caixão, uma senhora alta e magrinha,vestida de preto, mas com um lenço branco que lhe apertava os maxilares.

A avó estava na cozinha a fazer o almoço, quando eu apareci com ar comprometido. Escondida atrás das costas estava a fotografia.
– O que foi menina?
– Já não queres brincar mais?
– O que é isto avó?
– Aiii… Aiii…. Jesus Senhor, que criança atrevida! – Quem lhe manda mexer onde não é chamada.

A avó limpou as mãos ao avental, sentou-se e pegando na fotografia disse:
– Meu Deus, tantos anos já passaram.
– Esta senhora era a tua bisavó, mãe do teu avô.

A fotografia

Pescadinha & Zazá

Vestiram-me um vestido azul de veludo com gola branca, bordada com bolinhas azuis, vermelhas e amarelas. Em baixo, na saia, losangos de gorgorão nas mesmas cores da gola, enfeitavam um circulo branco. Atrás das costas um laço azul compunha o vestido. Nos pés meias de renda e os meus sapatos vermelhos. Prendendo os cabelos loiros, um farfalhudo laçarote.

Quando entrei no eléctrico para Lisboa, com a Zázá ao colo causei sensação. Parecia saída de um postal ilustrado!

As pessoas interagiam comigo e eu muito orgulhosa mostrava-lhes as habilidades da Zázá.

Um senhor fez-me uma festa e disse-me: – Não sei qual é mais bonita, se a dona se a boneca.

Para a posteridade ficou a fotografia.

A prenda

Passaram dois dias sobre o meu terceiro aniversário, quando o avô me foi acordar.

Salta da cama pescadinha, vamos buscar a tua prenda… está no quarto azul. Ensonada, corri para o quarto azul.

Em cima de dois bancos, mesmo perto da minha cara, estava uma caixa comprida, atada com um enorme laçarote de cetim. – Vamos abre o teu presente; disseram as tias. Eu puxei uma ponta do laço, e elas ajudaram-me a abrir a caixa.

A Zázá surgiu… estava a dormir, mas quando lhe peguei abriu os seus olhos azuis e disse: – Papá Mamã.
 
– Avô ela fala. Fala e anda.
– Que linda .

A Zázá

Acordei ao som de gemidos. Os sons vinham do quarto dos avós… parecia uma luta. Devagarinho empurrei a porta e espreitei até aquilo acabar.

Gostaste? – Ai homem, que me atormentas… gostei.

Saí dali sem que me tivessem visto e dirigi-me ao quarto azul. Tirei de dentro da caixa a Zázá, sentei-me numa cadeira e apertei-a entre as pernas com tanta força que lhe parti as pernas.

A Zázá

No dia do meu terceiro aniversário corria o ano de l950, Era inverno e estava frio. A avó tinha ido com as tias aos Armazéns do Chiado comprar a minha prenda. Em casa ficou o tio Victor com a incumbência de me dar o almoço. A tia Licas disse: – lá para o meio dia coze a pescada para a menina. Depois veio o amigo dele comeram a pescada e falaram que a namorada do tio Victor mijava ossos. Então ele fez para mim massa pevide temperada com muita banha e deu-ma à colherada. Depois senti-me muito mal e vomitei. Acho que ao fim de uns dias ainda tinha massa a sair-me do nariz.

A avó e as tias chegaram á noite com uma caixa enorme, mas eu sentia-me tao mal que nem liguei, por isso fecharam-na á chave no quarto azul.