Algés

Pavilhões de Algés

Algés era em 1950 um sítio muito agradável para se viver.

Muito perto, haviam indústrias como a fábrica da pólvora de Barcarena, os cabos Ávila, a fábrica de Lusalite, que davam emprego às pessoas da terra. Na baixa de Algés, existiam três pavilhões esplanadas, que estavam sempre cheios, o Cristal, que tinha uns gelados fantásticos, o Pavilhão Verde e o Ribamar que ainda existe.

O Pavilhão Verde, era o da eleição da minha avó que tinha mesa reservada, todos os sábados e domingos. Ao vivo actuava uma Jazz-Band, onde um vocalista com voz romântica chamado Figueiredo, encantava as damas da época.

A praça de touros onde tantas vezes torci para que os toureiros levassem umas valentes cornadas, o Sport Algés e Dafundo onde aprendi a nadar, o comboio, o eléctrico e uma estrada marginal, eram alguns dos encantos da minha querida Algés.

Avó vou brincar às escondidas

Avó vou brincar às escondidas com o tio “Pico” para a cave.

– Oh filha! – ainda agora a Maria Zé te vestiu de lavado.

A cave está suja e cheira mal. Além disso vais maçar o Mário, ele está a pôr as etiquetas no vinho. Foi o avô quem lhe pediu.

Vó… eu porto-me bem. – Bom vai lá, mas faz o que o Mário disser.

O “Pico” ficou todo contente quando eu apareci. Pegou-me ao colo e deitou-me em cima de um monte alto de redes da pesca e disse para eu ficar quietinha. Levantou o meu vestido até ao pescoço, e disse que eu tinha que olhar sempre para cima, porque se eu olha-se para baixo perdia o jogo.

O tio “Pico” não sabia jogar às escondidas.

Feliz dia da Mãe

Deolinda de Jesus (maquete caseira com Francis) by António Variações on Grooveshark

Ala… Arriba!

A “ISABEL LOURENÇO”, era uma traineira da pesca da sardinha, cavala e carapau. Tinha pouco mais de doze metros.

As traineiras pescam em cerco, isto é; cercam o peixe que depois de entrar na rede já não pode sair.

As zonas onde pescavam eram: – Setúbal, Ericeira, Peniche, Cabo Espichel, etc.

O “PAI E FILHOS”, era o barco de apoio, chamado de “enviada”. Mais pequeno, também pescava, mas a função principal era recolher o peixe que já não cabia na traineira.

Agora existem guinchos, radares e aladores que apoiam os pescadores. Naquele tempo, não havia desses apoios, e era ao som do cantador, que à força de braços os homens da enviada e da traineira içavam para o convés as redes carregadas de peixe.

– Ala… Ala… Ala… Arribaaaa!!!
– Ala… Ala… Ala… Arribaaaa!!!

Mãos calejadas que mais parecem cabedal, lábios gretados, pele queimada pelo sol, recolhem o peixe para os porões e rumam a todo o gás para a lota; com a paixão pelo mar gravada a fogo na alma.

Heróis em casca de noz.

O “ISABEL LOURENÇO” e o “PAI E FILHOS”, foram dois dos barcos de pesca do meu avô. Era com eles que todos os dias, fizesse chuva ou sol, partia para o mar.

Ao meu avô chamavam-lhe “MESTRE ZÉ” e governava o “ISABEL LOURENÇO”. Os camaradas de faina eram; – o Ti-Zé, o Cága-Libras, o Américo e o Tá-Bem.

No “PAI E FILHOS”, o mestre era o ti Álvaro, e os camaradas eram; – o Mato Rico, o Cebola, o Jádisse e o meu pai que era o Zé-Ganso.

Estes homens do mar eram heróis em casca de noz. Os barcos eram relativamente pequenos, nove, dez metros e o mar nem sempre estava de bom humor.

O Cheiro do dinheiro.


Era da venda do pescado que o dinheiro entrava naquela casa. Vinha da lota em sacos de plástico transparente, todo amarfanhado e a cheirar a peixe. era preciso alisá-lo, separá-lo por valores e arrumá-lo no cofre.

Um dia o tio Victor, viu os sacos de dinheiro em cima da mesa da marquise, e não resistiu; tirou algumas notas que guardou nos bolsos das calças e do casaco. Depois foi-se embora.
Acabado o almoço, o avô deu por falta das notas, e perguntou se alguém ali tinha mexido.

Eram sete da tarde quando o Victor voltou.

Vinha a assobiar, quando o avô lhe deu um murro que o projectou para debaixo da mesa.

– Então tenho ladrões na minha casa?
– Onde é que está o dinheiro?
– Roubas-me e ainda entras aqui a assobiar!!!

Depois desapertou o cinto e o tio Victor pagou por todas.

Foge Maria !!! Foge !!!

Estávamos na sala de entrada. Ali ouvíamos telefonia, conversávamos e faziam-se pequenas refeições.

De repente o meu avô pediu à minha avó que lhe fosse buscar os cigarros ao bolso do casaco;
 
– Onde deixaste o casaco?
– Está no nosso quarto no cabide.

Ela hesitou.
 
– Vai lá Maria… vai.

O corredor da sala ao quarto media oito metros e ela conforme avançava ia acendendo as luzes.
Quando acendeu a luz do quarto, o relógio começou a bater as badaladas da meia noite.
 
– Foge Maria!!! Foge!!!
– Olha o padre!!! ele vem atrás de ti!!!

E ela fugiu… Espavorida, tinha um medo terrível daquele quarto.

A entrada principal

A entrada principal tinha uma larga porta em carvalho, rendilhada com vitrais, representando a “anunciação do anjo a Maria”.

Quando se abria a pesada porta, dois degraus de granito, subiam para um Hall com chão de mármore rosa e preto. Uma segunda porta, trabalhada em vitrais, isolava o Hall do resto da residência.

À tarde, quando o sol batia nos vitrais, eu gostava de me sentar ali, a pensar no que aquelas figuras representavam.

Porque seria que uma porta tão bela não estava à vista de toda a gente?

A Casa

A casa tinha custado oitenta mil réis por volta dos anos quarenta. Tinha quinze assoalhadas, um sótão que acompanhava a casa toda e uma cave.

Na cave, duas fileiras de arcadas com um pé alto enorme, sustinham toda a moradia.

A fachada estava pintada de azul, e as janelas debruadas, estavam pintadas de branco.  No lado esquerdo um pequeno portão dava acesso a um corredor forrado a pedras de calçada. Era nesse corredor, resguardada de olhares, que existia a imponente porta principal. Tinha também um jardim que dava para a segunda entrada da moradia.

O preço foi muito barato. Ninguém a queria e as pessoas mais antigas, quando passavam por ela benziam-se.

A casa pertencera ao padre da aldeia, que constava, se teria enforcado num dos quartos principais. Era o quarto branco que o avô escolheu como quarto do casal.

O pedófilo

O quarto verde era o maior de todos os quartos daquela casa. Foi para lá que a tia Adelina e o “Pico” foram viver, quando se casaram. O avô comprou-lhes a mobília de quarto, e passaram a comer lá em casa.

O “Pico” arranjou trabalho na fabrica Braço de Prata, era uma fábrica, de armas e munições.

À tarde quando vinha do trabalho, trazia-me sempre ou um chocolate ou um pequeno brinquedo ou livros. Depois sentada no seu colo, eu vivia as histórias que ele me contava. Os três porquinhos, a branca de neve, o soldadinho de chumbo etc…. etc… etc… .

Quando me deixava dormir no cinema ou na esplanada, era ele que me trazia para casa ao colo. Dava-me banho, deitava-me e ensinou-me a importância de ler.

Um dia pediu-me para ir brincar com ele às escondidas para a cave.