A Procissão

Chegou o dia. Era dia da procissão do Senhor dos Passos. Os sinos tocavam, cheirava a incenso e pétalas de flores. As janelas enfeitadas com lindas colchas emolduravam as ruas por onde a procissão ia passar.

Eu e o meu Pai íamos participar pela primeira vez numa procissão. Ele, de Opa vermelha com a cruz de Cristo ia pegar no andor do Senhor dos Passos. Eu ia a acompanhar a procissão como anjinho com um vestido de tafetá branco, peitilho com folhos, rematado por uma faixa de cetim azul. Nos ombros umas asas de penas brancas presas ao vestido por elásticos davam-me um ar celestial. Ao meu lado, um menino vestido de São Roque protestava:

-Oh mãeeee, eu não quero ir vestido de “serrote”

O andor, com Jesus Cristo vergado sobre o peso da enorme cruz, devia ser pesadíssimo, pois era carregado por 8 homens fortes (incluindo o meu Pai)

A Minha Mãe, obreira daquela nossa forçada manifestação religiosa estava muito satisfeita. Pudera, não era ela que carregava o andor.

Às tantas, o Padre nunca mais se calava e o São Roque já cansado deixou cair o cajado. O meu Pai muito vermelho já bufava por todo o lado e a mim, começaram-me a escorregar as asas. Foi quando me pus a gritar:

-Oh mãe… quero fazer chichi!!!

À noite é que foram elas. O ombro do meu Pai estava roxo e em carne viva. Ao ver-se ao espelho ele gritou-lhe:

-Granda puta… já viste o que fizeste? tu e o padre precisavam era de um enxerto de porrada.

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O banho do policía

Gostava de se sentar nos bancos do jardim que ladeavam o largo da princesa, muito perto de sua casa.
Era um sitio muito fresco rodeado de árvores. No centro o chafariz, deixava correr de quatro bicas agua fresca e cristalina.
Ouvir o som da água a correr, o chilrear dos pássaros e ver as gentes que volta e meia se apeavam na paragem do eléctrico, aliado ao sabor do fumo de um cigarro, deixavam-no de bem com a vida.

Mas lidava muito mal com a frustração e quando a minha mãe não lhe aceitou o pedido de namoro, foi para a taberna “Cova Funda”, que ficava na parte de baixo do chafariz e apanhou um grande pifo.
Depois foi sentar-se na beira do chafariz da princesa a carpir as suas mágoas.

Foi quando um policia se aproximou e lhe disse:

– O senhor não pode estar aí… pode cair e afogar-se!
– E o que é que você tem com isso?
– Já lhe disse… tem que sair daí! Vá para casa…
– Para casa vá você… eu só saio daqui quando me apetecer, até lhe canto uma cantiga…

Daqui não saio daqui ninguém me tira
Daqui não saio daqui ninguém me tira

Daqui não saio daqui ninguém me tira
Daqui não saio daqui ninguém me tira

– O senhor está a gozar a autoridade, olhe que lhe dou ordem de prisão; disse o guarda agarrando-o pelo braço…
– Tire daí a manápula senão a coisa azeda!!!
E a coisa azedou mesmo, quando o guarda o puxou para que saísse. Jogou-lhe a mão à farda e arrancou-lhe os botões todos. Depois pegou no senhor guarda e deu-lhe banho no chafariz.


Foto Original de Luis Miguel Inês:http://luismiguelines.blogspot.pt/

Maria Rosa

Maria Rosa fez-se uma linda mulher e o meu pai caiu de amores por ela.

Ela não lhe deu grande bola era filha irmã e neta de pescadores. Sabia bem as dificuldades que isso acarretava.

Não queria para ela essa vida, queria para ela alguém que não estivesse ligado ao mar.

Além disso havia certo rapaz que trabalhava na construtora e era amigo do Jorge…

Quando soube, o meu pai fez uma cena de ciúmes.
Depois mexeu os cordelinhos junto dos irmãos e do pai de quem era amigo e companheiro de trabalho.

Convenceram-na. Ou o Zé Ganso, que conheciam desde miúdo e até tinha um pé de meia para quando casasse, ou mais ninguém. O outro não o conheciam de lado nenhum.

Ela argumentou que o Zé bebia às vezes, e andava com mulheres da vida.

É sinal que não é maricas, foi a resposta.
Até a mãe lhe disse: – Filha quando casar ele assenta.

Para o meu pai

Zé Ganso (Pai)

Tinha o andar gingão daqueles que passam muito tempo sobre as ondas.
Lentamente, perdeu a alcunha de Zé Russo e passou a ser o Zé Ganso.
Na vida teve dois grandes amores; o “Mar” e a sua “Rosa”.

Para ele em jeito de homenagem:

BALADA DE UM PESCADOR

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

Lá longe o farol e e as ondas sem fim,
Dizem-me baixinho que esperas por mim.
Mas oh Rosa minha quando eu chegar,
Levo-te sardinha e beijos salgados
Pelas ondas do mar

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

O Zé Russo

Os homens do mar eram rudes. Nada de delicadezas que a vida era dura e cheia de perigos.

O pequeno José Lourenço, passou como todos os camaradas do barco a ter uma alcunha.

Com o cabelo quase branco de tão louro que era, não foi difícil, passou a ser o ” Zé Russo “.

E o Zé Russo foi crescendo, iniciando-se no trabalho árduo da vida de marinheiro, aprendendo a fumar, e beber vinho; que homem que não fumasse e não bebesse não era homem.

Aos fins de semana era sagrado, iam às putas.

Aí está ele com a rapaziada da sua idade: longa madeixa ao vento, cigarro na boca ao lado.

Zé Russo