O Menino de minha Mãe

Leram bem, não vou escrever sobre o poema de Fernando Pessoa “O Menino de sua Mãe”.

É mesmo sobre o menino da minha mãe que eu quero escrever, para que se não perca no tempo a engraçada história desta fotografia.

Depois de casarem os meus pais ganharam este menino, que segundo a minha avó, foi muito desejado e amado.

Primeiro filho, primeiro sobrinho e primeiro neto.

A minha mãe resolveu fazer uma fotografia artística ao bebé.

Nessa época 1943, estava na moda fotografar os bebés até ao primeiro mês de idade, conforme vieram ao mundo… os meninos mostrando a pilinha e as meninas mostrando o rabinho.

Ora o menino da minha mãe, já ia fazer três meses e era forte e bem apessoado.

O fotógrafo chamou-lhe a atenção para isso, mas ela não abdicou… queria a fotografia a ver-se o sexo do seu bebé.

Dirigiram-se a uma mesa preparada para o efeito com vestes de cetim azul, e lá deitaram o menino de barriguinha para cima.

Verdade verdadinha, o bebé já mal cabia na mesa. Mas elas lá estavam uma de cada lado para o manter sossegado.

Entretanto o fotografo já com a maquineta em ordem, pediu-lhes para se afastarem para proceder à fotografia.

Só que o menino estava a pau e resolveu fazer a sua recente habilidade… voltou-se de repente e voltou a voltar-se… foram dois em um, não ficou com a pilinha à mostra e catrapum para o meio do chão.
A minha avó gritava… o bebé berrava… e a minha mãe queria bater no fotógrafo.

 

As Consequências

A muito custo, porque os limos o faziam escorregar, o senhor guarda lá conseguiu sair do chafariz. Puxou da pistola e disparou para o ar dois tiros.
A esquadra era ali bem perto, colegas vieram rapidamente em seu auxilio e deram voz de prisão ao meu pai.

Estávamos em 1938 e os actos praticados eram considerados muito graves. Rasgar uma farda, e pôr um senhor guarda de molho, era caso para um anito de prisão efectiva.

Os amigos foram-se chegando e explicavam que o Zé era um bom rapaz que não fazia mal a ninguém, que aquilo foi um copito a mais.
Entretanto avisaram o meu avô que só se deslocou à esquadra no dia seguinte para falar com o chefe, de quem era conhecido.

O guarda nunca desistiu da queixa, mas durante sete anos, que foi o tempo da extinção do processo, comeu todos os dias o melhor peixinho fresco da sua vida.

Durante muito tempo os amigos quando o viam gritavam-lhe:

Óh Zé Ganço… vai dar banho ao policia.

O banho do policía

Gostava de se sentar nos bancos do jardim que ladeavam o largo da princesa, muito perto de sua casa.
Era um sitio muito fresco rodeado de árvores. No centro o chafariz, deixava correr de quatro bicas agua fresca e cristalina.
Ouvir o som da água a correr, o chilrear dos pássaros e ver as gentes que volta e meia se apeavam na paragem do eléctrico, aliado ao sabor do fumo de um cigarro, deixavam-no de bem com a vida.

Mas lidava muito mal com a frustração e quando a minha mãe não lhe aceitou o pedido de namoro, foi para a taberna “Cova Funda”, que ficava na parte de baixo do chafariz e apanhou um grande pifo.
Depois foi sentar-se na beira do chafariz da princesa a carpir as suas mágoas.

Foi quando um policia se aproximou e lhe disse:

– O senhor não pode estar aí… pode cair e afogar-se!
– E o que é que você tem com isso?
– Já lhe disse… tem que sair daí! Vá para casa…
– Para casa vá você… eu só saio daqui quando me apetecer, até lhe canto uma cantiga…

Daqui não saio daqui ninguém me tira
Daqui não saio daqui ninguém me tira

Daqui não saio daqui ninguém me tira
Daqui não saio daqui ninguém me tira

– O senhor está a gozar a autoridade, olhe que lhe dou ordem de prisão; disse o guarda agarrando-o pelo braço…
– Tire daí a manápula senão a coisa azeda!!!
E a coisa azedou mesmo, quando o guarda o puxou para que saísse. Jogou-lhe a mão à farda e arrancou-lhe os botões todos. Depois pegou no senhor guarda e deu-lhe banho no chafariz.


Foto Original de Luis Miguel Inês:http://luismiguelines.blogspot.pt/

Maria Rosa

Maria Rosa fez-se uma linda mulher e o meu pai caiu de amores por ela.

Ela não lhe deu grande bola era filha irmã e neta de pescadores. Sabia bem as dificuldades que isso acarretava.

Não queria para ela essa vida, queria para ela alguém que não estivesse ligado ao mar.

Além disso havia certo rapaz que trabalhava na construtora e era amigo do Jorge…

Quando soube, o meu pai fez uma cena de ciúmes.
Depois mexeu os cordelinhos junto dos irmãos e do pai de quem era amigo e companheiro de trabalho.

Convenceram-na. Ou o Zé Ganso, que conheciam desde miúdo e até tinha um pé de meia para quando casasse, ou mais ninguém. O outro não o conheciam de lado nenhum.

Ela argumentou que o Zé bebia às vezes, e andava com mulheres da vida.

É sinal que não é maricas, foi a resposta.
Até a mãe lhe disse: – Filha quando casar ele assenta.

Para o meu pai

Zé Ganso (Pai)

Tinha o andar gingão daqueles que passam muito tempo sobre as ondas.
Lentamente, perdeu a alcunha de Zé Russo e passou a ser o Zé Ganso.
Na vida teve dois grandes amores; o “Mar” e a sua “Rosa”.

Para ele em jeito de homenagem:

BALADA DE UM PESCADOR

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

Lá longe o farol e e as ondas sem fim,
Dizem-me baixinho que esperas por mim.
Mas oh Rosa minha quando eu chegar,
Levo-te sardinha e beijos salgados
Pelas ondas do mar

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

Heróis em casca de noz.

O “ISABEL LOURENÇO” e o “PAI E FILHOS”, foram dois dos barcos de pesca do meu avô. Era com eles que todos os dias, fizesse chuva ou sol, partia para o mar.

Ao meu avô chamavam-lhe “MESTRE ZÉ” e governava o “ISABEL LOURENÇO”. Os camaradas de faina eram; – o Ti-Zé, o Cága-Libras, o Américo e o Tá-Bem.

No “PAI E FILHOS”, o mestre era o ti Álvaro, e os camaradas eram; – o Mato Rico, o Cebola, o Jádisse e o meu pai que era o Zé-Ganso.

Estes homens do mar eram heróis em casca de noz. Os barcos eram relativamente pequenos, nove, dez metros e o mar nem sempre estava de bom humor.

O desgosto da pescadinha

Os meus lindos vestidos tinham desaparecido dos seus cabides. As meias de renda branca e os sapatos novos vermelhos, não estavam mais dentro da caixa e eu senti desmoronar-se todo o meu universo.

Quando a avó chegou do cabeleireiro, eu não lhe disse nada do que me ia na alma, mas sentei-me nos degraus da porta principal à espera que o avô chegasse.

Olha a pescadinha … estava à espera do avô?
 
– Corri para ele de braços estendidos e chorei o meu desgosto em altos berros no seu colo.

Primeiro apareceu a avó muito atarantada, antevendo uma queda, um braço partido, a ferroada de uma abelha e gritava: – Ai… Aiiii… meu Jesus, Virgem Maria me acuda, o que aconteceu? -Valha-me Deus.

As tias vieram a seguir, tentando compor a situação, mas eu não lhes dei chance, agarrada ao pescoço do meu avô, enchendo-o de ranho e baba gritei; – Foram as cabras… roubaram os meus vestidos todos. E a soluçar; – já nem tenho os sapatinhos vermelhos elas também os levaram.

Nessa tarde fui a Lisboa com o avô comprar roupa nova, e fui eu que a escolhi.