Para o meu pai

Zé Ganso (Pai)

Tinha o andar gingão daqueles que passam muito tempo sobre as ondas.
Lentamente, perdeu a alcunha de Zé Russo e passou a ser o Zé Ganso.
Na vida teve dois grandes amores; o “Mar” e a sua “Rosa”.

Para ele em jeito de homenagem:

BALADA DE UM PESCADOR

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

Lá longe o farol e e as ondas sem fim,
Dizem-me baixinho que esperas por mim.
Mas oh Rosa minha quando eu chegar,
Levo-te sardinha e beijos salgados
Pelas ondas do mar

Sou um pescador,
Embalo a vida nas ondas do mar.
Sou um pescador,
Meus beijos salgados são para te dar!

O Zé Russo

Os homens do mar eram rudes. Nada de delicadezas que a vida era dura e cheia de perigos.

O pequeno José Lourenço, passou como todos os camaradas do barco a ter uma alcunha.

Com o cabelo quase branco de tão louro que era, não foi difícil, passou a ser o ” Zé Russo “.

E o Zé Russo foi crescendo, iniciando-se no trabalho árduo da vida de marinheiro, aprendendo a fumar, e beber vinho; que homem que não fumasse e não bebesse não era homem.

Aos fins de semana era sagrado, iam às putas.

Aí está ele com a rapaziada da sua idade: longa madeixa ao vento, cigarro na boca ao lado.

Zé Russo

 

O meu pai

Nasceu em 1916, na casa da rua das Hortas em Pedrouços, perto do chafariz da princesa e a dois passos do mar.

Naquele tempo não era necessário o nome da mãe, por isso chamava-se só José Lourenço.

Cresceu como um cabrito à solta, percorrendo descalço a praia e os arredores.

Odiava sapatos, por isso escondia-os, só os calçando à tardinha, quando a fome apertava e era preciso voltar para casa.

Escola também não era com ele, não fora feito para aquele subjugar, para aquela prisão.

A professora adorava gatos, só na escola haviam cinco que a senhora estimava como filhos.

Um dia desmoralizada com a indiferença dele para com os deveres, pegou na menina dos cinco olhos e deu-lhe dez réguadas.

A resposta saiu-lhe tão rápida como as lágrimas que lhe saltaram dos olhos:
– Ganda-puta!!!
– Hás-de pagá-las!!!

No dia seguinte levou para a escola um saco de sarapilheira e assim que lhe foi possível foi juntando um a um os simpáticos gatinhos.

Mais tarde na praia, rolou diversas vezes o saco com os gatinhos lá dentro.

Quando lhes abriu o saco os animais fugiram espavoridos e nunca mais apareceram.

D. Etelvina recusou-se a tê-lo na escola, por isso foi para o mar com o pai.

Tinha dez anos.

O “Salto”

Foi daqui do sítio de Alvôr, no Algarve, que o meu avô partiu para Lisboa.

Em Alvôr deixou a mãe e a pobreza.

Não se passava fome, por que quem vive com o mar a beijar-lhe os pés tem sempre algo para comer. Mas na altura Alvôr era uma terra sem futuro. Havia o mar e a pobreza, muita pobreza.

Tinha treze anos, quando veio para Lisboa num barco de pesca. Só voltou aos dezoito anos para rever a mãe, que encontrou muito debilitada. Com o dinheiro amealhado comprou-lhe a casa onde vivia e deixou dinheiro na venda do Senhor Costa para que nada lhe faltasse.