A “Olhos de Boi”

Ás vezes o peixe ainda chegava vivo lá a casa. Sardinhas e carapaus, eram o principal da pesca, mas na rede vinham sempre três ou quatro linguados, duas ou três pescadas, alguns robalos etc. Para casa vinha sempre o que de melhor se pescara.

Nós comíamos bastante peixe, mas não conseguíamos consumi-lo todo, por isso o Avô mandava distribui-lo pelos vizinhos, que normalmente apreciavam o gesto.

Em frente da nossa casa, num prédio com dois andares, morava no R/C um casal com um filho. Eram gente muito pacata e educada. A senhora era alta e magra, com cabelos pretos com uns olhos muito grandes e pestanudos.

As minhas tias chamavam-lhe a “Olhos de Boi”. Toda a minha vida eu ouvi, quando se referiam à vizinha, chamarem-lhe a “Olhos de Boi”.

Acontece que o Avô me perguntou se eu queria ir levar o peixe às vizinhas, e eu toda contente aceitei.

A coisa não me correu muito bem, enganei-me e toquei para o primeiro andar:
 
– Quem é ?
– É da casa da D. Olhos de Boi?
– Toca no outro botão menina!

Assim fiz, e voltei a perguntar:
 
– É da casa da D. Olhos de Boi?
– A senhora abriu a porta, olhou para mim com os olhos muito abertos e pestanejou três vezes…
– Assustei-me,  larguei a cesta com o peixe , e corri espavorida para casa.

A Mulher e a Sardinha quer-se pequenina.

O meu avô avaliava as mulheres como se de peixe se tratasse.

Eu era a Pescadinha; uma mulher feia e metediça era uma ” Uge” (raia gigante com ferrão na ponta do rabo); uma mulher muito bem feita, era “Pescada do Alto”; Uma mulher com boca grande era “uma boca de Charroco” e com olhos grandes era uma “Boga”. Havia ainda “a Cavalona” que era uma mulher atiradiça.

Mas a personificação da mulher perfeita era a sardinha, que se queria pequenina e saltitante.

Maria Isabel era uma rapariguinha loira, com olhos cor do mar em dia de sol. Baixinha e muito remexida, era a filha mais nova do Senhor Costa.
Foi amor à primeira vista, ela parecia uma sardinhita prateada.

– Queres casar comigo Maria?

Casou com ela, e deixou-a grávida, a viver na casa da mãe.

Chegado a Lisboa, arrendou uma casa na rua das Hortas, no número dezoito, em Pedrouços, perto da doca com vista para a Torre de Belém.

Foi nessa casa Que nasceu Susana, a primeira filha do casal. A tia “Xana”.