Ao lado da nossa casa havia uma escola particular, que servia também de habitação às duas professoras, mãe e filha. A mãe era professora de canto lírico, a filha era professora primária.
A mãe D. Henriqueta era uma mulher de cinquenta e tal anos, franzina e baixinha, mas com uma potente voz que todos os dias bem cedo exercitava. Lá lá lá lá ri lá lá lá lá…Lá lá ri lá ri lá ri lá lá…
O meu Avô não resistia e dizia
– Lá está a galinha velha a cacarejar.
O recreio da escola dava para o meu quintal e desde muito novinha empoleirada num banco eu assistia entusiasmada às cantigas de roda que as meninas cantavam:
Olha a triste viuvinha, que anda na roda a chorar, anda a ver se encontra noivo para com ela casar.
Havia também o jogo da macaca e o jogo da mamã dá licença…. quantos passos? – um à bebé… dois à gigante… aquilo deliciava-me.
– Avó quero ir para a escola!
– Não podes minha filha, ainda és pequena – Talvez para o ano.
– Mas eu quero!!!
O Avô entrou, ouviu a conversa e perguntou-me porque é que eu queria ir para a escola:
Para aprender a ler e a escrever e para brincar com as meninas.
Quem nos abriu a porta foi a D. Antonieta que nos mandou entrar para a sala do piano.
– Então o que o traz por cá Sr. José?
– Olhe senhora professora é que a minha neta quer vir para o pé de si para aprender as letras.
Ela faz em Dezembro seis anos, mas se a senhora consentir e a titulo particular, pagando o que os outros pagam…
A menina Antonieta disse que não era bom para mim uma vez que quando fosse para a escola oficial aos sete anos iria aborrecer-me porque já sabia tudo o que estava a ser ensinado.
Nesse mesmo dia fui com a Avó à loja do Sr. Guerra, comprar sarja branca e grega para enfeitar os meus dois lindos bibes escolares.
Quando às nove horas da manhã a menina Antonieta me apresentou às colegas, a sala de aula pareceu-me aterradora. Na parede uma foto do presidente da republica, outra do chefe do governo e ao meio um crucifixo. Na secretária da professora, ao lado de um livro da terceira classe a célebre menina dos cinco olhos. Mas depois de cantarmos a Portuguesa a coisa desanuviou.
Da menina Antonieta tenho boas recordações, com ela aprendi o abecedário, os números e a escrever o meu nome. Também me ensinou a versejar.
Nunca a vi utilizar a menina dos cinco olhos.