O ” quarto azul ” voltou a ter protagonismo, é que a tia ” Licas ” ia casar.
Conjuntos de cozinha, serviços de jantar, conjuntos de talheres, vassouras, lençóis, mantas, toalhas… o quarto parecia um armazém. Eu lá ia com elas, a Avó e a tia Licas, às compras a Lisboa. Íamos ao Bráz & Brás, aos Grandes Armazéns do Chiado, ao Ramiro & Leão, que tinha um elevador muito vistoso.
Depois das compras íamos lanchar à Confeitaria Nacional, e eu tinha direito a escolher um ou dois brinquedos na Quermesse de Paris.
À tardinha, o ” Preto,” era como eu chamava ao noivo da tia, ia buscar-nos no seu ” Morris ” às arcadas da Praça do Comércio, para nos levar para casa.
O dia do casamento estava próximo. Já tinham casa alugada, iam morar em Carnaxide, num primeiro andar com quintal, mesmo ao lado dos Bombeiros.
O quintal era muito agradável, dividido em seis talhões, três de cada lado e ao meio um poço com um arco e roldana, de onde se tirava uma água tão fresca, que embaciava o copo. Para mim o único senão era ser junto aos Bombeiros, que sempre ao meio dia e quando havia fogo, tocavam a sirene, que quase nos rebentava os tímpanos.
O dia do casamento da minha tia Licas, foi o dia do meu primeiro grande desgosto.
Eu tinha seis anos, e ela foi a única pessoa que viu o meu sofrimento. Olhou para mim com pena, e com as suas mãos macias afastou as lágrimas que me corriam pelo rosto.
-Não chores, vais a casa da tia quando quiseres … e dormes lá… prometo!!!
Nessa noite, sozinha no meu quarto eu chorei muito, e senti pela primeira vez o peso da solidão.